Para entender Fando e Lis - Amanhã Seremos Felizes é necessário um desprendimento
do racional. Há que se deixar levar pelas impressões emocionais e sentimentos.
Só aí então, elaborar um pensamento, verificar resíduos que permitam discussões
e questionamentos. A encenação deixa subjacente o discurso intelectual para ser
ação no presente. Uma montagem realizada para alcançar diversos públicos sem
perder as características de teatro do absurdo.
Falar sobre a concepção do espetáculo
poderia reduzir qualquer interpretação do espectador. Entretanto, pode-se dizer
que a montagem está ancorada sob a ótica do inconsciente, do onírico, do
absurdo. E é nessa dimensão que se encontram as personagens - um mundo
desconfigurado. Nesse cosmos, Fando e Lis
são peregrinos , órfãos e sem abrigo, vagueando perdidos pela estrada
que leva a Tar, acreditando que aí encontrarão finalmente a felicidade - que é
o mesmo que dizer: a revolução que libertará das dores, das amarras, da
violência. Mas eles voltam sempre ao mesmo lugar sem sequer ter a consciência
de que o que os afasta de Tar não é uma distância geográfica, mas essas dores,
amarras e violências. Há que se matar isso para a angústia ter fim. Custa-nos a peregrinação a Tar, e talvez até
desistíssemos dela, não fosse um vago vislumbre que nos guia sussurrando:
"Não desistas, estas sempre à beira de lá chegar." E nunca lá
chegamos, porque, estando lá achamos que Tar é mais além, naquele lugar
inalcançável onde só sabemos que corre um rio e tudo é possível.
Não somos nem bons nem maus, apenas muito
humanamente inconsciente de nós, dos
outros e do mundo. Adultos-meninos estamos subjulgados pela obscuridade das
pulsações, dos ruídos e silêncios que não nos deixam ouvir o coração. Ao
ouví-lo, talvez se chegue a Tar, talvez uma nova consciência da existência. "O
drama da condição humana advém unicamente da consciência. Obviamente, a
consciência e suas revelações permitem que criemos uma vida melhor para nós
mesmos e para os outros, mas o preço que pagamos por essa vida melhor é alto.
Não é só o preço do risco, do perigo e da dor. É o preço de conhecer o risco, o
perigo e a dor. Pior ainda: é o preço de conhecer o que é o prazer e de
conhecer quando está ausente ou é inacessível." António Damásio - O mistério
da consciência.
Fando e
Lis - Amanhã Seremos Felizes mostra
a ação da força da natureza, um turbilhão incontrolável que determina o
andamento desse intrigante e absurdo enredo carregado de muita simbologia. Uma
produção atenta aos detalhes da representação, do visual, da paisagem sonora,
sem deixar de lado a força da palavra. O processo de ensaio iniciou em outubro
de 2010 e desde lá houve muita pesquisa, debates, dúvidas, resoluções e...
ensaios. É com muito prazer que desejamos um ótimo espetáculo à todos.
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